1 FOTÓGRAFO, 12 REVELAÇÕES - Antonio Mozeto
Apresento aqui dois projetos de minha autoria.
Projeto RURAIS
O primeiro projeto foi tema de uma exposição montada por 5 vezes em cidades do interior do estado de São Paulo nos anos de 2019 e 2020 denominado Rurais que desencadeou o trabalho em um livro homônimo que está no prelo (lançamento no mês de agosto/2021 pela Editora Origem e com a curadoria de Juan Esteves).
O projeto Rurais é constituído
por retratos ambientais de trabalhadores(as) rurais e fotografias de paisagens rurais (em preto & branco) que contextualizam os ambientes e
várias atividades da vida rural. A minha fotografia
neste projeto é uma manifestação vernacular e telúrica acerca dessas pessoas e
suas atividades, que, por mais sofridas e algumas vezes até cruéis, são
deliciosamente alegres e poéticas. Esta é a visão que adquiri ao longo de minha
vida sobre esses homens e mulheres que labutam no campo e que procuro espelhar
nestas imagens.
Além da
experiência da infância e adolescência, a vivência com esses trabalhadores, nas
sessões fotográficas ao longo dos últimos cinco anos, nos diversos trabalhos do
campo, reforçou a minha ideia de que, por trás da figura do profissional, está
um ser humano sério, cumpridor de seus deveres, com muitos sonhos e problemas
pessoais como qualquer outra pessoa. Entretanto, os trabalhadores rurais são
verdadeiros heróis anônimos e invisíveis para uma grande parcela da sociedade
brasileira. Seus rostos carregam, na minha visão, marcas de suas vidas como
incansáveis trabalhadores e trabalhadoras rurais, e são verdadeiros inventários
de seus passados, de sonhos desfeitos e sonhos alcançados, de suas dores, mas
também de suas alegrias.
“Nos tempos sombrios em que vivemos, em que uma porcentagem significativa de pessoas duvida da realidade, este livro é um alívio, uma esperança, uma necessidade. Fotógrafos com a visão aguçada de Antonio Mozeto insistem em retratar um país além do marketing, da propaganda insistente, das cores e sons alegres difundidos pelos meios de comunicação de maior alcance no Brasil. Nestas imagens, se dizem que agro é tudo, Mozeto declara firmemente que as pessoas e suas vidas é que valem, e cada vez mais, mais do que tudo”
(do prefácio do livro por Ricardo Lima)
Projeto NOVAS TOPOGRAFIAS DO INTERIOR DO ESTADO DE SÃO PAULO
Este
projeto é o resultado de um esforço fotográfico no sentido de ‘materializar’
conceitos muito importantes na fotografia como por exemplo o conceito de ‘território’
que, segundo a muitos pensadores da fotografia se nos apresenta como tendo ‘múltiplas
dimensões e sentidos em campos e perspectivas distintas que fomentam o diálogo
com o espaço físico, seu processo de composição e sua proposta imagética’.
Esse território ‘pressupõe eixos e orientações’, segundo os quais se
desenvolvem e fazem com que se privilegie a ‘constituição de espaços,
topologias e topografias’. É exatamente dentro desse contexto – ie., o da ‘constituição
de espaços, topologias e topografias’ – que as fotografias deste projeto
foram concebidas tendo como mote imagens fotográficas de paisagens vernaculares
tendo como palco o grandioso interior do Estado de São Paulo.
As fotos tiveram como inspiração os mundialmente afamados trabalhos do ‘casal Becher’ (Bern Becher; 1931-2007 e Hila Becher, 1934-2015) (mentores, de hoje, mundialmente conhecidos artistas como Thomas Ruff, Thomas Struth, Andreas Gursky e Candida Höfer) sobre suas ‘capturas fotográficas tipológicas’ de diversas ‘estruturas obsoletas’ - reiteradamente referido na literatura como ‘carcaças pós-industriais ou futuras’ – feitas na Europa e nos EUA desde a década de 1950, geralmente mostradas em grades (colagens em forma de polípticos) sob o título de ‘esculturas anônimas’.
O referido ‘casal Becher’ , se juntou, como um dos convidados, a um grupo de oito jovens, à época (início e até meados da década de 1975) - Robert Adams, Lewis Baltz, Joe Deal, Frank Gohlke, Nicholas Nixon, John Schott, Stephen Shore e Henry Wessel Jr. - selecionados por William Jenkins, para expor seus trabalhos numa exposição (outubro de 1975 a fevereiro de 1976) denominada ‘Novos Topográficos: Fotografias de uma Paisagem Alterada pelo Homem’ no ‘International Museum of Photography’ da ‘George Eastman House’ (Rochester, NY-EUA). Este evento revolucionou, à época, e continua influenciando fortemente a prática da fotografia de paisagens (urbanas e suburbanas) nos EUA e na Europa (no mundo em geral).
As fotografias desta exposição são referidas como ‘imagens despojadas de quaisquer adornos artísticos e reduzidas a um estado essencialmente topográfico, transmitindo quantidades substanciais de informações visuais, mas evitando inteiramente os aspectos de beleza, emoção e opinião [...] pureza rigorosa, humor impassível e um descaso casual pela importância das imagens’. As fotografias de ‘ruas, armazéns, centros de cidades, áreas industriais e casas suburbanas’ quando consideradas coletivamente, ‘pareciam postular uma estética do banal’ e continuam, 45 anos depois, impactando a fotografia de paisagem no mundo.
Essa mesma referência emite uma opinião importante sobre esta exposição de
Jenkins: ‘esses fotógrafos estavam fotografando contra a tradição da
fotografia da natureza que gente como Ansel Adams e Edward Weston haviam
criado’. Refere-se também à tais imagens fotográficas como de uma ‘topografia
mundana, estranhamente fascinante, reflexo do mundo cada vez mais sub
urbanizado’ [...] ‘em reação à tirania da fotografia de paisagem
idealizada (e, clássica) que elevava o natural e o seu elementar’.
Segundo
a fonte citada o ponto de partida de inspiração de William Jenkins para
sua exposição ‘Novos Topográficos: Fotografias de uma Paisagem Alterada pelo
Homem’ nasceu de sua identificação aos trabalhos de alguns fotógrafos
(dentre eles Robert Adams, Lewis Baltz e Nicholas Nixon) nas paisagens criadas
na América urbana dos anos 70. O de Adams com ‘ruas assustadoramente vazias,
parques de trailers imaculados, fileiras de casas padronizadas, o avanço
constante do desenvolvimento suburbano em toda a sua uniformidade
regulamentada’; o de Baltz de ‘paredes de prédios de escritórios e
armazéns em áreas industriais no condado de Orange’, enquanto o de Nixon se
concentrava ‘no desenvolvimento da cidade: arranha-céus que diminuíam os
edifícios de época, rodovias, ruas gradeadas e a irrealidade palpável de certas
cidades americanas nas quais os pedestres parecem intrusos’. A concepção
das imagens fotográficas deste projeto foi – além dos trabalhos do ‘casal
Becher’ - diretamente influenciada pelos trabalhos dos fotógrafos
participantes da exposição de Jenkins, emprestando dela, inclusive, parte de
seu título: ‘Novas Topografias’: Paisagens vernaculares do interior
do Estado de São Paulo.
Tenho para mim que o conjunto de fotografias deste projeto representa uma evocação e um tributo ao meu passado: minha infância e adolescência vivida em zona rural e em pequenas cidades do interior paulista. Para mim representam o modus vivendi desses locais. As zonas rurais com suas usinas que antes só eram de açúcar (os então chamados engenhos) e hoje de açúcar e álcool (etanol). De certa forma o livro documenta – mas sem intenção de exaurir o assunto – as mudanças ocorridas no tempo dessa arquitetura rural.
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